terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Duche


Os caminhos para Pyrefouna mudam com a época do ano: a seca, ou a das chuvas. Do ponto de vista de quem as cruza, a época da poeira ou a da lama, respectivamente.
Desta vez era a da lama. Percorria de mota a pista de terra vermelha molhada, com piscinas de água um pouco por todo o lado: havia chovido há pouco. Os verdes vivos da savana, naquela altura luxuriante, e as cores quentes da estrada brilhavam contra o cinzento escuro do céu.

Em época seca, a distância de Banfora a Pyrefouna, no sul do Burkina Faso, pode ser feita em hora e meia. Nos meses molhados, o tempo duplica-se.
Outras motas e alguns camiões decadentes cruzavam-se de vez em quando, o peso dos camiões escavando fossas na argila encharcada. Não parecia, mas esta era a principal via de comunicação entre Banfora e Gaoua, cidade dos lobis, a última sociedade matriarcal do país.



O céu escureceu, não da noite, mas do dilúvio que ameaçava tombar lá do alto. Os roncos das nuvens vibravam em tudo, acompanhados de descargas de luz que tornavam tudo lilás por um instante. As gotas, grossas, começaram a cair, a frequência aumentando rápido. Doem na testa por causa da velocidade, cegam momentaneamente quando atingem os olhos. Poucos segundos chegaram para parecer ter saído do fundo de um lago, de mota e tudo.
A estrada já não lhe merecia o nome, transformada em rios de correntes súbitas.

Os caminhos para Pyrefouna abandonaram a estrada principal, a chuva que amainava deixava-os ver melhor. Por fim, apareceu a velha ponte de madeira sobre o bas-fond, à entrada da pequena aldeia.
Sekou sabia que eu chegaria naquele dia. Ele e Tiemogo receberam-me à chegada, mais as crianças curiosas que se se iam habituando às minhas visitas.

- Não te lavas? Aquecemos água para o banho.
Palavras reconfortantes para quem gotejava de frio, e lá veio o balde com água aquecida.
Fui até ao duche, pequeno cubículo separado do resto da casa por uma cortina. Buracos na parede e uma pequena abertura para o exterior, para a água sair. Apontei a luz para ver onde pisar e algo se recolheu logo para dentro de um dos buracos. Uma cabeça escamosa ficou de fora. A língua bífida saíndo de sua boca tirou as dúvidas.
- Sekou, está uma cobra no duche!
- Ah sim? Deixa ver...
Espreitou-me por cima do ombro.
- Ah, essas são das que não fazem mal.
E explicou.
- São as cobras sagradas. Mantêm os maus-olhados longe e protegem-nos de feiticeiros. O meu avô falava com elas, entendiam-se. Elas aninhavam-se no seu regaço quando ele dormia a sesta, e obedeciam aos seus comandos. Gostamos de as ter por perto. Ainda ontem estava uma em cima da mesa!
Por entender a minha falta de hábito de partilhar um duche com serpentes, Sekou pegou num bocado de cartão e colocou-o no buraco, tapando o acesso ao réptil. O duche estava protegido: de cobras e de maus-olhados.