sábado, 22 de outubro de 2016

Médica na Indonésia

Olá a todos!
Tudo bem?

Estou a escrever-vos do único PC disponível na Indonésia... Venho escrever-vos desta aventura... partilhar um pouco da minha história.

 Estou a dar consultas aos doentes locais, a fazer tratamentos, quando necessário encaminho-os ao Hospital. Na escola estou a divertir-me imenso, tenho apostado em jogos de saúde criativa e reparo que os miúdos não só adoram como retêm muito mais os conhecimentos. Faço círculos com as mulheres para ensiná-las sobre temas e desmistificar conceitos. Formo também professores para formarem os seus alunos em outras aldeias. Já fui a outras aldeias dar consultas e gostei muito.

Fazendo projectos assim tem-se a oportunidade de ir as casas das pessoas e ver como vivem. O conceito cama ainda não chegou a estas regiões. E tudo se faz no chão! Sinto-me meia asiática :) É interessante que apesar de termos culturas tão diferentes no fundo estamos unidos. Estou a ter dias muito felizes. Sinto-me realizada. Estou, sem duvida a ter das melhores semanas da minha vida... As pessoas são receptivas ao que lhes transmito e fico feliz de ver que semanas mais tarde quando faço revisões ainda se lembram :) Penso que vão aplicar alguns destes conceitos. Repeat, repeat, repeat até se enraizar um hábito novo. :)

















Aqui os dias voam... estou integrada numa comunidade muito interessante. As pessoas mantêm os sorrisos felizes e são levadas da breca! São brincalhões, alegres e ao mesmo tempo respeitadores Parece que mantêm uma chama acesa que não se extingue nunca, mesmo que não haja água canalizada e luz... só de vez em quando... Têm um grande espírito comunitário de entreajuda, todos conhecem os seus vizinhos e ninguém fica desamparado. Ontem as crianças do sunday school vieram cantar e dançar fazendo uma autêntica performance. Iam adorar. No final dançámos com elas. Aqui não sei porquê mas canta-se muito. Sempre que se juntam, lá cantarolam canções. Com uma fogueira de noite sabe mesmo bem.

Espero-vos bem. Desejo-vos uma ótima semana.

 Muitos beijinhos com saudades.
Até já!

Leonor Mendes

terça-feira, 30 de agosto de 2016

"Pensas Demasiado"

Quando estive a trabalhar em Moçambique, em 2011, a minha função era prestar apoio no planeamento das instalações de sistemas de energias renovável, tanto no interior do país, como na capital - Maputo. Eu trabalhava muito com o director local. E nas reflexões que eu fazia em virtude das tarefas dos projetos que era necessário implementar no terreno, ele disse-me certo dia: "João, tu pensas demasiado nas coisas." E disse-o de uma forma pejurativa para comigo. Como se pensar fosse uma perda de tempo, uma atrapalhação. Não me recordo exatamente qual a minha resposta, mas basicamente indiquei que isso era algo de positivo, e não de negativo. Em minha defesa e de tantas outras pessoas, mentes, reflexões e ideias.

E fi-lo por vários motivos: Só o questionamento permite alcançarmos sozinhos a verdade. O descobrimento é o melhor processo de aprendizagem. E tanto a razão, como a emoção e a intuição fazem parte dele. Para além do mais, questionar, ou como se diz de um modo mais erudito, cogitar é também sinal de existência. Escreveu Descartes, em Latim: "Cogito Ergo Sum". Que traduzido indica: Penso (cogito), logo existo (sou).

Pensar é um dom do ser humano. É algo que nós temos a sorte de fazer. E como tal, temos que usar isso. Se não o fazemos muito ao longo da nossa vida é porque:
i) A educação que tivemos não nos propiciou muito a questionar, refletir, e descobrir por nós mesmos, mas antes pelo contrário a ouvir, assimilar e não perguntar/duvidar, pois isso seria visto como "uma perda de tempo"...;
ii) Porque não nos é dado tempo para tal, na vida adulta, ao correr constantemente "atrás do prejuízo";
iii) Porque a sociedade muitas vezes interpreta mal e rejeita mesmo muitas vezes ideias novas e revolucionários, por muito mais avançadas e melhores que sejam. Quantos exemplos a história nos mostra: Giurdano Bruno e  Leonardo da Vinci,o primeiro morto pelas suas ideias vanguardistas e o segundo quase morto por motivos semelhantes, ou Colombo e Fernão de Magalhães, desprezados pelos governantes de Portugal, e que como tal foram antes patrocinados por Espanha.

Fica então demonstrado como comentários julgativos que atentem sobre o direito a usurfruir do máximo do seu inteleto, são desprovidos de lógica, e não acrescentam nada de positivo. As melhores empresas de hoje em dia são as que têm as melhores ideias. Porque as boas ideias compensam, tanto na vida pessoal, como nos negócios também. Quem teve a ideia da Google comprar o Blogger? Alguém sentiu a epifania. E melhor, quem teve a ideia de criar o Blogger no qual escrevo agora, e você lê? São resultado de processos de cogitar, questionar, refletir, idealizar. E claro, depois agir/implementar/concretizar.

Bem, comigo, a reflexão continua, e segue pela vida fora. Entrosei-me nela desde miúdo, e espero refletir sempre e para sempre. Não abdico, pois é sinal que estou vivo, e de acordo com os meus valores, pensamentos e descobrimentos também.

:)

















João Aguiar

30 de agosto de 2016,

Lisboa, Portugal




domingo, 15 de maio de 2016

Os Francos Cefas da Guiné-Bissau

Um dos desafios que os estrangeiros enfrentam na Guiné-Bissau sobretudo nos primeiros dias é o do dinheiro. Converter Euros na moeda da Guiné-Bissau, ou seja em Francos CFA, pode revelar-se a princípio uma tarefa difícil pela desproporção numérica entre as duas moedas. Um único euro vale 655,99 francos CFA. Os Francos CFA (Comunidade Financeira Africana) são uma moeda comum a oito países da África Ocidental: Benim, Burkina Faso, Costa do Marfim, Mali, Níger, Senegal, Togo e Guiné-Bissau que a adoptou também em 1997. Um facto com o qual Portugal nunca lidou muito bem, mas isso é outra conversa. Os guineenses popularizaram-na sob a denominação de cefas, omitindo o franco e crioulizando o CFA. A moeda foi criada pelos franceses ainda na época colonial para circular nos seus territórios da África Ocidental e continua ainda na actualidade a ser garantida pelo Tesouro Francês. As moedas e as notas no entanto, só têm de francês a sua garantia e as frases escritas certificando a sua origem. Tirando as frases, são moedas e notas que falam africano. Num grafismo apelativo onde invariavelmente está presente o Peixe-Serra estilizado, símbolo mitológico regional da fecundidade e da prosperidade, a fazer lembrar à primeira vista uma máscara africana.


As moedas e notas, assemelham-se ao euro, em muitos aspectos. A moeda de 250 Francos CFA é bimetálica, como as moedas de um e dois euros, mas aqui é a parte central que é dourada e o anel em redor que tem a cor prata. Na face ao continente africano na sua totalidade sobrepõem-se o Peixe-Serra estilizado e no reverso as espigas de milho e o valor facial. Convêm lembrar que embora reluzentemente bonita não chega a valer 40 cêntimos de Euro. Nas moedas de 200 e 500 aparecem também produtos agrícolas, cacau, café, banana e arroz sempre estilizados.

As notas são também uma maravilha em termos do grafismo que nos convoca a todo o momento à realidade e à riqueza de África. No reverso da nota alaranjada de 500 Francos CFA um casal de hipopótamos, na de 1000 em cor de tijolo um casal de dromedários da zona do Sahel, na azul de 2000 duas moreias nadando no fundo do mar, na verde de 5000 antílopes descansando na savana. A de 10000 Francos de cor violeta apresenta dois pássaros da selva lindíssimos de papo verde bordejado a negro. A frente das notas tem caracteristicamente uma nota de esperança e de futuro além do omnipresente Peixe-Serra, imagem de marca do Banco Central dos Estados da África Ocidental. Na de 10000 aparece uma arroba a lembrar as novas tecnologias da informação e comunicação e uma antena de satélite. Noutras os meios de comunicação, autocarros atravessando os rios, a vista aérea de um campo agrícola, circuitos eletrónicos e teclados numéricos, o continente africanos, motivos farmacêuticos, livros, ardósias e um globo terrestre.

Uma última nota sobre a dificuldade em se obter dinheiro na Guiné-Bissau. As caixas automáticas não aceitam habitualmente os cartões multibanco. À conta disso conheci a quase totalidade dos bancos de Bissau. Só nas caixas automáticas do aeroporto, do Hospital e do Ecobank perto da Praça dos Heróis consegui fazer levantamentos. Em Bafatá também fiz levantamento automático na caixa do Ecobank mas as comunicações muitas vezes falham. Os euros são bem recebidos e trocados em toda a parte e as transferências de dinheiro pela «Western Union» fazem maravilhas e resolvem todas as aflições pela sua rapidez.


segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Lisboa e arredores em transporte público e a pé na Noite de Natal.

Seis e meia da tarde, véspera de Natal, nos Quatro Caminhos em Queluz. Noite fechada que o Sol põe-se por alturas do solstício às cinco e pouco da tarde. Quase todo o comércio está já encerrado. O Centro Comercial D. Pedro II fechou portas há poucos minutos e abertos ficaram apenas a loja do McDonald e um pequeno café. Algumas pessoas passam apressadas com os sacos das últimas compras de Natal. À hora exacta, porque o trânsito é reduzido, chega o autocarro com destino a Carcavelos. A carreira com o número 106 que liga a Falagueira a Carcavelos, atravessa a zona suburbana de quatro concelhos: Amadora, Sintra, Oeiras e Cascais e vai normalmente apinhada. Mas hoje embarcam apenas dois passageiros no centro de Queluz e a maioria dos lugares lá dentro estão vazios.

O autocarro avança cruzando os Arcos do Aqueduto das Águas Livres e a Ribeira do Jamor rumo à Estação de Caminhos de Ferro de Queluz-Massamá. Esta estação é das mais movimentadas da Linha de Sintra, uma das linhas férreas europeias com maiores índices de ocupação transportando cerca de 67 milhões de passageiros por ano. Aqui sobem apenas dois passageiros. Os que descem deixam o autocarro quase vazio. Rapidamente o motorista arranca rumo a Queluz de Baixo. Avista-se ao longe a IC 19, a grande via de comunicação entre Lisboa e as zonas suburbanas densamente povoadas da Amadora, Queluz, Cacém e Rio de Mouro habitualmente congestionada a esta hora, mas onde hoje o trânsito flui rápido e sem nenhuma demora. A viagem continua por Barcarena, Leceia, Porto Salvo. Depois de Porto Salvo já só seguem três passageiros a bordo e dois descem em Oeiras no Bairro do Moinho das Rolas. Sobem numa paragem mais abaixo uma mulher e duas crianças que fazem um curto trajecto e acabam por descer na Estação de Oeiras. Não chegou a meia hora a viagem entre Queluz e Oeiras. Em dias normais o percurso chega a demorar quase uma hora. O autocarro parte rumo a Carcavelos vazio.

Vazio está também o Largo da Estação de Oeiras. Nem um táxi mas há ainda alguns autocarros estacionados. Na Gare Ferroviária contam-se pelos dedos os passageiros. O comboio que chega de Lisboa e termina aqui a marcha entra à hora exacta, 18.58, transportando oito passageiros e um revisor que vem sentado a mandar sms’s no telemóvel. A composição proveniente de Cascais que arranca pouco depois no sentido de Lisboa também sai quase vazia. Vai parar apenas em Algés e Alcântara antes de chegar ao Cais Sodré. Os horários que estão a ser praticados são os dos dias normais não obstante ser véspera de Natal. Os poucos passageiros são quase todos estrangeiros. Japoneses e orientais, um casal de franceses, alguns ingleses. Depois de Paço de Arcos o comboio segue, num curto trajecto, lado a lado à Estrada Marginal e ao mar. O trânsito também aqui é pouco e flui rápido. Hoje não se avistam as costumeiras e intermináveis filas de luzinhas encarnadas dos carros, em para arranca, no sentido de Cascais. As estações de Algés e Alcântara estão literalmente vazias e o comboio chega a Lisboa com menos de vinte passageiros.



O largo do Cais Sodré está igualmente vazio com todo o comércio encerrado. A Avenida 24 de Julho atravessa-se sem ser preciso esperar pelo verde dos semáforos. Na Rua do Arsenal o movimento é pouco. Uma loja de conveniência indiana e outra de «take-way» de comida oriental ainda permanecem abertas mas tudo o mais encerrou. Algumas pessoas a pé, orientais e africanos, um eléctrico que não pára porque as paragens estão vazias. No Terreiro do Paço um táxi estacionado junto a um dos novos hotéis de charme de Lisboa aguarda um casal de ingleses. À volta tudo permanece em silêncio e encerrado. Na Rua do Ouro apenas uma família espanhola e um grupo de jovens ingleses a caminho da Estação de Metro da Baixa Chiado. Dir-se-ia que Lisboa se recolheu. São oito e meia da noite. O Metro avisa que «existem perturbações em toda a rede pelo que o tempo de espera poderá ser superior ao habitual» e pede desculpa pelo incómodo causado. Mas as desculpas são escutadas por muito poucos. No Cais da Linha Azul, em ambos os sentidos, os passageiros não chegam a uma dezena e a maioria são estrangeiros. Mesmo assim, poucos minutos depois, chega a composição com destino a Amadora-Oeste praticamente vazia. A bordo os passageiros são também quase todos estrangeiros, turistas ou emigrantes transportando consigo sacos de prendas e de comida a caminho da sua ceia de Natal. No termo da viagem na Estação de Amadora Oeste apenas cinco passageiros.

A Avenida Elias Garcia bem como as rotundas que é necessário atravessar descendo no sentido das Portas de Benfica, uma das entradas na capital, encontram-se sem movimento de pessoas e carros. Junto aos laboratórios Vitória dois homens esperam um táxi que tarda em chegar e numa paragem de autocarros mais abaixo um casal de namorados. Mais ninguém num percurso que a pé demora quase um quarto de hora a fazer. Já passam das nove da noite. Nas Portas de Benfica, solitárias no meio da enorme rotunda, só se avistam a esta hora as iluminações de Natal.  

António Pereira
Dezembro de 2015