quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Lisboa Menina e Moura

Às portas da Mouraria, de frente para a Capelinha da Senhora da Saúde, no Martim Moniz, apercebi-me do fim de uma oração islâmica, assim que vi um grupo de crentes regressarem ao habitual bulício lisboeta. Mohamed, natural do Bangladesh e muçulmano praticante, vinha de uma mesquita no interior do bairro da Mouraria. Explicando-me como lá chegar, segui pela Rua do Benformoso adentro e quando dei por mim, estava já num beco esconso e com pouca luz solar, ladeado por pequenos prédios antigos.

Na Mesquita
A porta de entrada do templo era alta e verde. E através dela soprava uma agradável e convidativa aragem. “Centro Islâmico do Bangladesh”, lia-se num quadro de anúncios envidraçados na sala de orações. Lá estavam os horários das rezas assim como, ironicamente, o número de conta da mesquita para donativos, escrito em letras garrafais. Mamadou Diara, jovem de 30 anos, nascido na Costa do Marfim, ia de Odivelas até ali uma vez por semana. Somente para rezar. No aperto de mão de despedida dizia-me: “Tens que ir também a uma mesquita mesmo aqui ao lado!” Rua do Terreirinho, porta 86. Assim que ia a entrar, deparei-me com um senhor pequeno e anafado que terminara a sua reza. Chamava-se Ali, e ao perceber o meu intuito em conhecer a cultura islâmica no bairro, simplesmente me disse: “Come with me!” Por ruas mal iluminadas, seguimos até à mercearia onde trabalhava. O dono da loja, Akhtar ao ver-me chegar, veio conversar por uns minutos, reforçando que no Islão toda a gente é bem-vinda. E que primeiro que tudo, se defende a paz, a saúde e o bem-estar do mundo inteiro. São cerca de mil os habitantes bangladeshianos que tal como ele, habitavam ali na Mouraria. A vasta maioria deles, muçulmanos. Mas o verdadeiro mouro estava ainda por chegar.

O Verdadeiro Mouro
Quando me preparava para sair da mercearia, apercebi-me da entrada apressada de alguém que lá ia comprar carne no talho “halal”. As suas feições eram-me familiares. Remetiam-me para o Norte de África. Numa fração de segundos, guiado pela intuição, preparei-me para falar em francês. “Et voilá!” Finalmente conhecia alguém da região que foi a origem da civilização moura. Abdul era natural de Marrocos, parte da área geográfica do Magrebe, que inclui vários dos países que à época, perpetraram a conquista árabe de Portugal e Espanha. Abdul queixava-se “Aqui não se está muito bem. Não há dinheiro! E agora que fui pai, devo ficar mais um ano ou dois e vou-me embora!” Ao ouví-lo pensava na constante insatisfação dos portugueses com o estado das coisas. Seria essa uma influência mourisca? Talvez sim. Ou talvez fosse esta uma daquelas perguntas sem resposta.

Entrada da Mesquita.














Mouraria do Fado
Ao fim da tarde, continuava a subir pela Colina de São Jorge acima. Pela Calçada Agostinho de Carvalho que cruzando com a Rua dos Lagares, me dava uma agradável perspetiva sobre a rua onde crescera Mariza, a fadista. Subindo à direita a Calçada do Monte, cruzei a Travessa da Nazaré, morada do Grupo Desportivo da Mouraria. Conhecido no bairro pelas noites de espetáculos e concursos musicais de fado. De novo, pela calçada acima, cumpria a chegada à Graça. Lá em cima, numa matiné de domingo à tarde, entoavam-se fados de saudade e paixão, no habitual tom lânguido e triste.

Vários historiadores e musicólogos defendem que a origem deste estilo musical português está nos cânticos da população moura que habitou a cidade depois da reconquista cristã. Hoje em dia, vários séculos depois, ali ainda se entoa em canções a mesma mágoa e dolência. E ainda se reza voltado para Meca, seis vezes ao dia. É a Mouraria dos nossos tempos, que tanto se rejuvenesce, porto de abrigo à imigração mundial, como se conserva identitária, autêntica e fadista.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Pausa no Tempo

Maputo, Moçambique

A tarde tropical de calor húmido e suado, assentava de novo na Aldeia da Massaca. Vilarejo nos arredores de Maputo que na sua autenticidade e pureza, sorvia a bucólica quando lá estava.

Uma chusma de miúdos passou por mim a correr, levantando a poeira das estradas que aparentemente ali não existiam.  E assim seguiam no seu tempo, a brincar.

Fora do grupo estava Sorte, criança que do seu nome pouco herdou por ter ficado orfã, e Gilda. Juntas viviam num orfanato ali nas imediações.


Na calma relaxada e soalheira que a experiente Vovó Juliana, assim era chamada pelos miúdos, detinha nas suas mãos, ia entrançando lenta e pacientemente, sentada na rua, o cabelo da Sorte, enquanto a Gilda esperava em bonomia pela sua vez.

O tempo parava por instantes ali em Moçambique. Mas caí em mim, e de novo, a viagem prosseguia.