quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Locais de Venda - Os Meus Descobrimentos



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i) Lisboa
Livraria Ferin - Chiado - R. Nova do Almada
Livraria Ler Devagar - Lx Factory
Palavra de Viajante - Rua de São Bento
Livraria Ler - Campo de Ourique
Livraria da Cossoul - Santos
Letra Livre - Calçada do Combro
Livraria Papelaria Fonsecas - Intendente

Distopia - Rua de São Bento
Livraria Mais - Rua de Luanda, Parede

Livraria Linha de Sombra - Cinemateca - R. Barata Salgueiro
GATAfunho, loja de livros - Oeiras
Leituria - Rua Dona Estefânia

Livraria Menina e Moça - R. Cor-de-rosa, Cais do Sodré

ii) Porto
Flâneur
Espiga / Muita Terra 

iii) Sines - A das Artes

iv) Viseu - Livraria Alfarrabista Sidarta

v) Guimarães - Almanaque 23

vi) Brasil - Livraria Cultura / FNAC Brasil 


vii) Portugal - encomendar no site -
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viii) Para qualquer parte do mundo - Através da Amazon - disponível nos próximos dias

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quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Os Meus Descobrimentos - de João Aguiar












📕 Os Meus Descobrimentos 
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quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Engenheiro da Aldeia

Estávamos no mato de Moçambique, algures entre as províncias de Gaza e Inhambane. Um jipe viajava em missão de reconhecimento e levantamento de necessidades energéticas das aldeias nesta região. Um dos ocupantes era o Osvaldo, funcionário da fundação estatal que atribuía energia a localidades remotas do país. O outro era eu, a conduzir a viatura, funcionário duma empresa portuguesa que instalava os sistemas de energia renovável nessas aldeias. A paisagem era de árvores e mato denso. E as estradas não eram bem estradas, porque apenas havia dois sulcos paralelos recortando a paisagem, de onde aflorava areia, a essência escamoteada daquelas terras. Ali ao lado, a cerca de cem quilómetros estava o Kruger Park, o mais famoso parque de vida selvagem, com uma natureza tão bela e virgem quanto perigosa e mortal. Por mais que estivesse relaxado e focado nesta missão entre mãos, imaginava a possibilidade de nos cruzarmos no jipe com animais como leões, uma manada de elefantes enfurecida, rinocerontes, ou cobras, e quantas havia lá naquele país. A viagem prosseguia incessante e cronometrada. Depois de passar as aldeias de Mabote e Machaíla, conduzia a caminho de Chigubo. Era uma missão com prazos apertados, e uma gestão constante do combustível, horários, quilometragem, recursos alimentares, etc.

Nessa estrada, a certo ponto, soltou-se um estrondo ribombante a partir da parte esquerda do jipe, uma Mahindra, de fabrico indiano, ao mesmo tempo que a direcção do jipe ginou para a esquerda. Valeram as linhas fundas que faziam a estrada, por onde as rodas deslizavam, que mantiveram o jipe no trajecto. Saindo cá para fora, vi que o jipe estava com a roda de trás em baixo. E isto por causa de um tronco tombado na estrada, mas que por não estar completamente chegado para fora, a ponta ainda foi suficiente para embater na jante e assim abrir uma valente fuga de ar, por deformação de um aro da roda. Com o apoio do Osvaldo, martelei aquilo com veemência, usando chaves metálicas pesadas que vinham com o jipe. E o aro da roda ficou mais redondo, apesar de não estar fechada a saída de ar. O suficiente para seguir viagem pelo menos.

A população mais próxima estaria a cerca de uma hora de caminho, pela savana. Seguimos em frente. Não havia indicações, sinais nem quaisquer marcas rodoviárias. E claro, se nem estrada havia sequer. Tudo o que havia eram duas linhas paralelas que se tocavam num ponto de fuga, preso no infinito, assim como toda a restante savana. Mas por outro lado, só havia uma direção a seguir, e era difícil perdermo-nos se a viatura seguisse essas marcas. Enfim, atravessámos a mata densa e plana até ao limite da vista, para de repente se ver o firmamento moçambicano celeste que tão belo combinava com o sol radiante e tórrido africano. Finalmente uma aldeia. Primeiro uma escola, depois um conjunto de cabanas, simples, espartanas, de lama e palha, um pouco mais à frente. Ali ao lado um pequeno largo central daquela aldeia. Parei o jipe na entrada da escola. Com uma arquitectura de escola do período colonial, igual àquela em que o meu pai estudou, e a tantas outras espalhadas por Portugal e pelo antigo mapa colonial lusitano. Perguntei a um professor se conhecia alguém que nos pudesse arranjar a roda do jipe. Apanhados de surpresa, ele e a sua classe, ao que me pareceu, do ciclo primário, ficaram a matutar por instantes, para depressa o professor indicar o nome do Senhor Valter, a viver ali a poucos metros da escola. A aldeia era pequena, e por isso, lá chegámos depressa. No caminho as pessoas curiosas, acenavam, sorriam, aproximavam-se. Mas na correria para cumprir os prazos todos, e acima de tudo voltar com o jipe inteiro a Maputo, não houve o tempo para socializar. No pior dos casos, contudo, voltaríamos à boleia ou de "machimbombo", os autocarros locais. Por isso, haveria sempre solução, e uma estava para chegar.



Da casa que procurava brotaram logo à vista: uma grande antena metálica, com cerca de vinte metros de altura; um espaço aberto à entrada da casa com uma cobertura, e com utensílios de trabalhar madeira em cima da mesa, onde se viam móveis em construção. Ali havia espaço, algo que naquele país aliás havia com fartura, pleno de terra, área e vastidão. E as crianças brincavam cirandando entre umas mesas que estavam em torno da grande antena, provavelmente para sinais de baixa frequência, e o ateliê. Envolvendo este cantinho da aldeia, ondas sonoras brotavam de um rádio em cima das mesas cobertas, de onde se ouvia uma voz informativa da rádio, ainda que com o som familiar mas também incómodo, da desintonia analógica do antigamente que rarefaz a emissão devido à imensa distância que separava a recepção da estação de rádio. Enquanto me distraía com a magia da rádio, uma senhora, parecendo a mãe dos miúdos, aproximou-se de mim, e daí a aparecer o Valter, foram segundos, tendo ela ido chamá-lo. Com um fato de macaco azul náutico, um lápis encurtado pelo uso, pendurado no tubérculo da orelha, e uma carapinha africana já um pouco crescida, de quem é despreocupado com o cabelo, chegou o senhor. De semblante empático, tranquilo e disponível, ouviu a situação, e de poucas palavras, foi buscar numa casa de madeira ali anexa, os utensílios que considerou necessários. Ao abrir a porta desta barraca, caíram coisas cá para fora, em cima de nós. Só um, o Valter lá podia entrar, pois tamanha era a acumulação de todo o tipo de engenhos e materiais, não saberia ele para que momentos dariam jeito, mas que sendo tantos jorraram pela porta. Neste manancial de parafernália acumulada, ele saiu de lá com um martelo e uma bomba de ar, e com o adaptador certo. Pois, como para quem enche uma bicicleta, ter a peça adaptadora errada, deixar-nos-ia sem poder desfrutar daquelas rodas.

Os miúdos da escola já estavam todos cá fora em torno do jipe, e quando tirámos a roda do jipe, ainda mais miúdos se acercaram. Com o ângulo certo para usar a bomba de ar, o seu êmbolo deslizava lento e compassado, comprimindo o ar, preso naqueles cilindros. Para encher melhor, há que o fazer com calma. E assim foi, durante uns quinze minutos, em que voltámos a insuflar o pneu daquela roda. Aquele engenheiro ad-hoc da aldeia, salvou o momento, por ter aquela bomba algures perdida, saber usá-la como ninguém e por se ter disposto a fazer tudo isto pela genuína hospitalidade. A viagem podia seguir, com a roda martelada e enchida. Não deixando de pensar que nas aldeias, nas pequenas comunidades e grupos, há espaço para uma pessoa se realizar a si mesma e contribuir para o grupo social, como sendo o engenheiro, o reparador de problemas, que guarda utensílios, faz móveis, capta os sinais de rádio oriundos de centenas ou milhares de quilómetros de distância. Há necessidade deste conhecimento, há reconhecimento pelo seu trabalho e as mulheres da aldeia apreciavam estas valências, reparava. O meu pai também é assim, um engenheiro auto-didacta, sem qualquer diploma, mas uma vasta experiência em mecânica e electrónica, aprendida pela necessidade, em estaleiros da guerra colonial. E algo disso terá passado para mim. Mas naquele dia faltou-me equipamento. Felizmente havia um engenheiro da aldeia com uma bomba de ar por perto. Porque, na minha opinião sempre há espaço para um, até onde menos esperamos.

João Aguiar

domingo, 22 de outubro de 2017

Melilha, a última fronteira da Europa

Viajar até Melilha saindo da Europa é uma viagem de Espanha a Espanha, no dizer promocional das agências de viagem. Uma travessia de barco de cerca de cinco horas partindo de Almeria e cruzando o Mediterrâneo até à costa de África. A cidade é um enclave em Marrocos e dista poucos quilómetros da fronteira com a Argélia. Vista do mar aparece demarcada por dois enormes molhes, que delimitam o seu porto e o de Beni Ansar na cidade vizinha de Nador, descendo em anfiteatro do sopé de uma colina até terminar num promontório onde assenta uma fortaleza imponente conhecida por cidadela ou «Mellila, La Vieja», o coração histórico da cidade.

Quem chega, saindo do porto e contornando a cidadela, depara-se com a imponente Praça de Espanha que não deixa esquecer que a cidade, não obstante ser autónoma, é um território do Estado Espanhol. Uma enorme bandeira de Espanha drapeja sobre a vegetação pendente das colunas que rodeiam a praça e o enorme repuxo de água que jorra na parte central. Daqui irradiam as principais vias da cidade e por ela têm-se também acesso ao passeio marítimo que conduz às praias e a um enorme parque com centenas de palmeiras. Um pouco mais à frente fica a Praça dos Heróis de Espanha donde partem as ruas da Democracia e do Rei Juan Carlos, ruas comerciais com muitas lojas, bares e restaurantes. Nesta praça, compridos bancos de pedra que são ao mesmo tempo floreiras, surpreendem pela sua policromia ao estilo arte nova ladeando uma enorme estátua central. Nesta a figura de um legionário segurando um fuzil e um leão e alçando uma bandeira é encimado pela águia do escudo de Franco. Este monumento, de onde foram há anos retirados os símbolos mais evidentes do fascismo, vai agora ser substituído de vez por decisão das autoridades da cidade, depois de uma petição cidadã ter exigido a sua remoção. Uma decisão mais que justa, uma vez que a cidade está tristemente associada a um dos mais sangrentos conflitos da história de Espanha. Foi aqui que se iniciou o levantamento militar fascista contra a república espanhola em 1936.




Atravessar as ruas de Melilha é contemplar um nunca mais acabar de edifícios com fachadas de estilo «art déco» com o seu rigor geométrico realçado por uma profusão de elementos decorativos variados. As varandas com as enormes portadas de madeira e o ferro forjado sobressaem deslumbrando os visitantes. A seguir a Barcelona, Melilha é a cidade espanhola com mais edifícios neste estilo. Na sua traça a cidade assemelha-se a uma qualquer cidade espanhola, no entanto a presença islâmica sente-se em todos os lugares. Mulheres vestidas como em Marrocos, com a cabeça coberta por um véu, podem ver-se um pouco por toda a parte. Nas ruas o berbere e o árabe marroquino são línguas bastante utilizadas. 

A cidade dispõe de uma bonita mesquita mas também de uma sinagoga e de um templo hindu além de várias igrejas cristãs. Aliás a cidade, tem a única igreja de estilo gótico de toda a África que se situa no interior da cidadela. A convivência entre diferentes culturas parece ser a bandeira de Melilha. A cultura «amazigh» ou berbere que domina na região vizinha de Nador marcou a cidade estando na origem do seu próprio nome. Quase metade dos melilhenses tem um dialecto berbere como língua materna e jornal «Melilla Hoy» tem feito referências a uma campanha contra a extradição de dois militantes da causa berbere, detidos em Madrid, para a vizinha Argélia. Um museu dedicado às culturas berbere e sefardita recorda as suas influências nesta cidade onde se cruzaram desde a antiguidade inúmeros povos e muitas religiões. Fenícios, cartagineses, romanos, vândalos, vikings, mouros, berberes e conquistadores espanhóis por aqui viveram e muitas vezes se combateram. Um dos principais acessos à cidadela faz-se precisamente por uma enorme praça denominada das Culturas que pretende homenagear essa mesma multiculturalidade. A fortificação é imponente e a sua parte mais antiga, que começou a ser construída no Século XV, está situada num rochedo onde existiu a antiga cidade fenícia de Rusadir. A cidadela foi aumentando sucessivamente ao longo de séculos sendo composta por quatro recintos rodeados por fossos e ligados entre si por pontes. No seu interior existem hoje um conjunto habitacional denominado «El Pueblo» e vários museus. Os limites da cidade com Marrocos foram traçados a tiro de canhão, precisamente a partir de dois dos fortes da cidadela, em finais do século XIX. Catorze disparos de um canhão com uma inclinação de 21 graus delimitaram os 12,5 quilómetros quadrados da cidade.

As fronteiras de Melilha continuam no entanto a assumir um carácter marcadamente violento e trágico, ainda que os velhos canhões se tenham calado para sempre. São a última fronteira terrestre da União Europeia com África. A cidade encontra-se totalmente cercada por um sistema de três gradeamentos metálicos justapostos com uma altura de seis metros encimados por arame farpado que foi recentemente reforçado com espigões metálicos altamente cortantes. O gradeamento do meio tem um desenho tridimensional de forma a dificultar a progressão no seu interior. Ao longo deste gradeamento triplo que se estende por quilómetros polícias, torres de vigia e aparelhos de vigilância modernos e ultra sofisticados asseguram que ninguém o poderá ultrapassar sem ser detectado. Muitos já morreram ao tentar atravessá-lo. O último muro da Europa depois de o de Berlim se ter desmoronado em 1989. Mesmo vista à distância a cerca provoca horror, repulsa e uma sensação de se estar dentro de uma enorme prisão. Não é possível apreciar a beleza do fim do dia, com o sol a declinar lentamente sobre a cidade, sem a lembrança que num monte à nossa frente permanecem centenas de homens, oriundos da África subsaariana, escondidos, desesperados, numa situação miserável e permanente acossados pelas polícias marroquinas e espanholas. Melilha transporta consigo o destino trágico de ser a última fronteira da Europa. Uma fronteira que ninguém parece querer ver.

António Pereira

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Viagem à Festa Monumental

As viagens, tal como as cidades, não necessitam de ser grandes para se tornarem monumentais e memoráveis. Coimbra fica a apenas a duas horas de Lisboa e a uma do Porto, sendo uma cidade de média dimensão. O seu património histórico que vai desde a Universidade, uma das mais antigas da Europa, até às igrejas românicas ou às ruínas romanas de Conímbriga, confere-lhe só por si uma monumentalidade indiscutível. Mas a verdadeira monumentalidade da cidade é a humana, que nasce dos milhares de estudantes universitários que ali vivem durante os seus anos de estudo. Monumentais dizem ser, os anos que se passam em Coimbra, estudando. Não é por acaso que nas Reblicas, as residências comunitárias dos estudantes, se contam os aniversários como centenários. Ali, um ano de juventude parece valer, de facto, por muitos mais.
Os estudantes e as suas capas negras do traje académico marcam a paisagem da cidade. A descida de centenas de vestes negras pela Escadaria Monumental, que liga a Universidade ao coração da cidade na Praça de República, impressiona qualquer um. Nas imediações desta praça ficam também várias repúblicas, fáceis de encontrar pelas tabuletas, que apresentam nas fachadas. “Ay-ó-Linda”, “Rápo-Táxo”, “Fantasmas”. A vida estudantil marca indelevelmente a cidade e os seus ritmos esvaziando-se aos fins-de-semana e nas férias escolares voltando a encher-se em Setembro com o início das aulas. O pulsar estudantil também se escreve nas paredes, onde os graffitis abundam. “Paredes brancas consciências sujas”, alguém escreveu no pedestal de uma estátua em frente da Faculdade de Letras. Os slogans de pendor libertário e as pinturas contra a transformação da Universidade em Fundação, que está a um passo de se concretizar privatizando desta forma o ensino público, marcam presença na cidade.
Um dos pontos altos de Coimbra e do ano académico é sem dúvida a semana da Queima das Fitas. Acontece no início de Maio e antecede o período de estudo intenso que irá culminar nos exames de Julho. Durante uma semana, o tempo é mesmo todo de festa e folia. Começa a festa a uma quinta-feira com a chamada Serenata Monumental. Nas escadarias da Sé Velha logo após as badaladas da meia-noite na torre sineira, as guitarras iniciam os seus trinados a que depois se irão juntar as vozes em coro. Ao redor, no largo e nas ruelas estreitas que nele confluem, uma multidão de milhares de pessoas escutam em silêncio o Fado de Coimbra que tradicionalmente não é aplaudido. O silêncio da multidão impressiona pela sua grandeza. São milhares de pessoas acotoveladas, de pé e literalmente engarrafadas ao longo de muitas centenas de metros de ruelas tortuosas, de becos, vielas e escadarias desta parte velha da cidade. Uma experiência a evitar por agorafóbicos. Mal o concerto acaba é-se arrastado pela multidão que abandona o local. Quem tiver a sorte de ser levado pelas escadarias acima irá desaguar no átrio da Universidade onde uma colossal festa já se iniciou. Aqui o ritmo é marcado pelos DJs e o ambiente é o de uma discoteca, mas gigantesca e a céu aberto, com milhares de estudantes. Muitas barraquinhas de cerveja, bifanas e cachorros, muita animação entre os edifícios das várias faculdades. E lá pode dançar-se até ao nascer do dia.


Os dias que se seguem são invariavelmente de festa. Diariamente no Queimódromo, é assim que se chama o espaço que fica junto à margem esquerda do Mondego onde decorrem os concertos, grupos famosos de músicos nacionais e internacionais desfilam todas as noites até às tantas da madrugada. E não precisa de pagar bilhete para ouvir os concertos. O volume do som atravessa o rio, sendo perfeitamente audível no outro lado da cidade. Na pequena encosta que rodeia o recinto, milhares de borlistas desfrutam do som sentados na relva invariavelmente acompanhados de muitas latas de cerveja e garrafões de vinho tinto. Mas o auge da semana académica é no Domingo com o Cortejo da Queima das Fitas. A cidade nesse dia enche-se de forasteiros. São as famílias dos estudantes, as gentes das redondezas, antigos estudantes e milhares de turistas que confluem na cidade. A festa começa cedo com lançamento de foguetes, gaiteiros, tambores e filarmónicas que se passeiam pela baixa da cidade. Na alta, em redor da Universidade, vão-se a pouco e pouco juntando dezenas de carros alegóricos decorados com as cores dos cursos. Os de Medicina de amarelo, Letras de azul, Direito de vermelho, Farmácia de roxo, Psicologia de cor de laranja e mais umas dezenas de combinações englobando todos os cursos. Ao início da tarde, entre milhares de pessoas, os carros carregados de estudantes e de centenas de litros de cerveja iniciam uma descida que só irá terminar, horas depois, na Praça da Portagem junto ao rio.
O ambiente é de uma festa indescritível. Em cima dos carros, os estudantes gritam, riem, bebem, borrifam com cerveja os colegas e as gentes que ocupam as ruas. Distribuem, a quem lhes estica a mão, latas de cerveja sem conta. A cerveja escorre nas gargantas, nos fatos e nas ruas. As fitas agitam-se no ar entre cartolas e bengalas dos que circulam a pé na frente dos respectivos carros. A saudação académica é gritada vezes sem conta e um pouco por todo o lado. Os antigos estudantes com as suas pastas e as velhas fitas misturam-se também no cortejo. Aproveitaram este fim-de-semana para a sua romagem anual a Coimbra e aos jantares de curso onde se revivem os velhos tempos de estudantes. Uma mística de saudade que a passagem por Coimbra lhes deixou. Sim, porque como lembrava o cartaz colocado na entrada do Queimódromo: «Há momentos que só acontecem uma vez na vida».


António Pereira

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Rosso

As buzinas e os gritos pareciam ensurdecedores depois do silêncio apaziguador do deserto. O pó das ruas arenosas da pequena cidade fronteiriça de Rosso enchia o ar devido à agitação de gente, carros e motas. A azáfama ia e vinha do Senegal, ali do outro lado do preguiçoso rio, que deu o nome ao país. Saíra de Nouakchott naquela manhã, num carro ruidoso e acotovelado de famílias mauritanas, uma travessia ao ritmo que o calor sahariano permitia e em que tudo o que se via eram as cores quentes das dunas contra o azul forte do céu.


Uma multidão sufocante, que só depois percebi serem barqueiros, assaltou-me assim que aterrei na rua principal. Competiam por clientes que quisessem atravessar o rio Senegal, e eu lutava para me desembaraçar. Um deles acabou por me levar à margem do rio, onde a sua canoa repousava inquieta, metade balançando já na água. Alguns passageiros de rosto quieto aninhavam-se de forma paciente junto dos seus sacos e bagagens. Depois de trazer um e mais outro, o barqueiro decidiu que já éramos suficientes para fazer a travessia, e remou contra a corrente para o outro lado enquanto recolhia os pagamentos, um a um. Do lado Senegalês, desembarcava-se numa serenidade refrescante. O “Rosso” da margem sul parecia muito menor do que o seu gémeo a norte. O alívio que todos pareciam sentir dava a impressão de sermos refugiados em barcas, fugidos do bulício. Perguntei onde poderia apanhar um transporte para a capital, Dakar, e apontaram-me a direção da rodoviária, no fim de uma estrada poeirenta e com pouco movimento, ladeada de algumas acácias quase secas.
A pista de terra vermelha levou-me em alguns minutos a uma zona aberta onde repousavam velhas carrinhas Mercedes, expatriadas há muito tempo e meio decompostas pelas agrestes e estrangeiras vias. Em torno da área central algumas barracas serviam lentamente pratos de arroz com peixe, ovo mexido e café instantâneo a clientes apressados. O ambiente não era de atropelo nem agitação, pelo menos não a suficiente para me dar confiança de que haveriam transportes regulares na direcção da capital. Segui os dedos que me apontaram o próximo transporte para Dakar e um homem encostado a um velho autocarro confirmou-me ir para o destino pretendido.
No interior, duas mulheres sonolentas olhavam o infinito, indiferentes à vida, perto dos seus sacos cheios de pertences coloridos, que mantinham desnecessariamente perto de si. Os restantes lugares só eram ocupados por ar, moscas e pó. Perguntei quanto tempo demoravam a partir para Dakar. – “Daqui a dez minutos saímos”. Tudo o que queria era acreditar na resposta, pousar as bagagens e atirar o corpo para um dos bancos. E assim fiz. Os dez minutos multiplicaram-se, perderam-se nas contas, e a fome chegou. A pergunta renovada obteve semelhante resposta mas desta vez sem a mesma crença, ao que decidi misturar-me com a animação das barracas de comida, o foco da vida daquele lugar.  De lá via o transporte, por isso não iriam embora sem mim.
As horas passavam e poucos novos passageiros tinham chegado, mas todos quantos chegavam traziam sempre a resignação facial de quem não teme o tempo. A manhã transformou-se em tarde, e depois em noite. Treze horas num exercício de espera, desespero e conformidade, até que o condutor e assistente decidiram que já haviam passageiros suficientes para partir. Acenderam-se luzes, reanimaram-se as almas, e ajeitaram-se os corpos nos bancos duros. A noite avançou pela estrada turbulenta, com um Senegal invisível aos meus olhos, vestido de negro.
A impossibilidade de dormir nos duros e apinhados assentos apenas deu vislumbres de sonhos em que me pareceu várias vezes ter chegado ao destino. Mas as falsas chegadas só culminaram com um amanhecer rápido, que desocultava aquele país e me acolhia finalmente no destino. Os apitos, vozes altas e fumos não deixavam dúvida, tínhamos chegado a Dakar. 

Fernando Sousa

terça-feira, 2 de maio de 2017

Estátuas da Liberdade

Quando regressava a casa vindo das celebrações do primeiro de maio, subi a artéria central do centro de Lisboa, a Avenida da Liberdade. Qualquer alfacinha já lá passou imensas vezes mas acho que quando regressamos e revemos os lugares, há sempre coisas novas que observamos, tal como quando vemos o mesmo filme duas vezes, à segunda há novos pormenores de que nos apercebemos. E assim vi-a de um outro modo.

Ao subir a avenida, um conjunto de estátuas cruzou-se no meu caminho. A primeira de todas, do histórico libertador da América do Sul e Central, Simón Bolívar, a quem se presta uma eterna admiração na República Bolivariana, e lá está o nome dele na etimologia, da Venezuela. Ou na Bolívia, a quem se dedicou todo o nome do país. As árvores da avenida abriram-se num dos passeios laterais, perante o elevado e imponente vulto em bronze verde, deste militar. Ao ler as inscrições na base da estátua, com a lista dos países por ele libertados - Venezuela, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador e Panamá - é-me despertada uma imagem de gritos de guerra, revolução, sofrimentos e alegrias populares. Como se todas as lutas e batalhas pela independência, feitas de vitórias e derrotas, do vermelho sangue e da água salgada do choro e suor dos militares, ali estivessem plantadas em respeito àquela pessoa. Não deixei de reparar que foi em 1978, ainda no rescaldo da nossa mais recente revolução, que se homenageou aquele prolífico libertador popular.

Mais acima, um busto, também de bronze, no topo de uma coluna branca, que nos dá pela altura do tronco. O vulto é de Chopin, o génio compositor musical, de naturalidade polaca, e a quem se prestou, há pouco tempo atrás, uma tímida homenagem, ali no outrora "Passeio Público". Deste ponto, ao olhar para o outro lado das faixas de rodagem, vislumbrei um imponente trabalho em pedra granítica e bronze, no qual lia, à distância, em letras grandes inscritas na pedra, "Primeira Guerra Mundial", erigido em homenagem às vítimas, guerreiros e sobreviventes portugueses deste nefasto episódio da história contemporânea. Dela emanava dor e sofrimento mas também vitória, nacionalismo e união dos soldados. Enquanto a via, no plano por detrás, harpejava incessante a bandeira na janela do consulado de Espanha, à porta do qual uma patrulha de polícias armados com metralhadoras até aos dentes, por lá se entretinham, para sempre, à procura de um qualquer sinal terrorista, e com que critérios, sabia-se lá. O máximo que viram, terá sido talvez, embora na residência do embaixador, aquando da memorável manifestação de 15 de outubro de 2012. De resto, nada... e a um custo elevado para o erário público.

O pendente desta avenida que se expande desde os Restauradores (lugar de outra importante estátua aos nossos heróis de 1640) até à "Rotunda", intimida mais do que cansa, e por isso depressa subi outro trecho até ao cruzamento com a Alexandre Herculano, onde são homenageados o político Oliveira Martins, o nosso Almeida Garrett, e outro grande escritor, também político liberal e deputado patriota, que dá nome a esta transversal da "Avenida".



Já no topo da estrada e fim da "Liberdade", aguardava-me não uma rotunda, mas antes uma "turbo-rotunda" (versão melhorada da primeira com duas rotundas separadas e concêntricas), inaugurada há poucos anos atrás, mas com um assinalável erro de planeamento na drenagem de águas, identificado no dia da inauguração, por um cidadão anónimo. A estátua, feita de um exagero de pedra e metal, foi feita em honra de alguém que, tendo feito coisas boas por cá, perseguiu e matou muita gente. Sempre que se apura o campeão nacional de futebol, o alvoroço ao redor deste lugar é exagerado, e só possível num país que respeita tanto ou mais este desporto do que a própria religião. Qual a diferença entre os dois? Perguntava-me e refletia enquanto caminhava.

Depois de calcorrear este ex-libris, pelo menos rodoviário, da cidade, não deixava de me orgulhar de que, se na outra costa do Atlântico Norte, há uma estátua da Liberdade, por cá nós temos todas estas as estátuas na "Liberdade".

sábado, 18 de fevereiro de 2017

O Batman é Brasileiro


Aos fãs desta personagem do mundo fantástico das bandas desenhadas norte-americanas e também dos cinemas, porque depois do papel vem a tela de projeção, fica a informação de que o Batman é mesmo brasileiro! E vou aqui comprovar a minha tese.

A arte urbana brasileira é própria, e vive muito de uma caligrafia única no mundo inteiro. No conceito mais lato do que é a arte urbana encaixam-se vertentes como o tagging ou "pixo" (e não é engano) na gíria de rua brasileira, ou como o bombingsilverwall of fame, trem, etc. Ao olhar do viajante mais atento poderão assemelhar-se os "pixos" a tipografias de rua de crews ou gangues mexicanos mas é singular o que encontramos no Brasil, pelas várias cidades fora mas em especial em São Paulo. O objetivo é o velho instinto humano que nos vem ainda inculcado nos genes: marcar território. E na "mega" urbe de São Paulo, vê-se este fenómeno, assim como as suas consequências de uma forma tão ousada, arriscada e competitiva que é suficiente para imprimir indelevelmente uma memória, boa ou má dependendo do viajante, sobre a arte que se manifesta nas paredes desta selva de cimento colorido.

Em resultado desta prática de marcar terreno, jovens sobem, escalando-os autenticamente, prédios de mais de dez andares para lá colocarem a sua marca pessoal, e tipicamente em São Paulo, composta de linhas geométricas, essencialmente de losangos.

Na vertente de wall of fame, e indo agora ao tema do post, nesta gigante urbe, há um conjunto inteiro de ruas situadas na agradável, artística e boémia Vila Madalena, que veem as suas paredes inteiramente pintadas de copiosos, coloridos e complexos graffities. Alguns compostos de estética de desenho pura, outros com mensagem, vide fotografia.

E o que tem tudo isto que ver com o xerife heterónimo de Gotham? O nome da área é "Beco do Batman"! Ora se ele mora ali, veja-se aliás numa das fotografias, então o Batman é mesmo brasileiro! C.q.d.

:)























João Aguiar
www.osmeusdescobrimentos.com - livro a ser lançado em breve!


segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Gales ali tão perto

Apenas a duas horas de comboio de Londres, sita a capital de um dos estados que formam o Reino Unido. Na sua designação em português, é mais do que estado, sendo mesmo um país, de Gales. Desde a gare ferroviária de Paddington, localizada na posição estratégica centro-oeste do mapeamento londrino, a partir das cinco horas da manhã circulam velozes e sofisticadas composições de locomotivas e carruagens da marca Hitachi, ao serviço da Great Western Railway (GWR), a empresa à qual foi adjudicada a exploração comercial da linha que liga Londres ao País de Gales. E sim o nome desta linha, tal como o da ilha britânica e quase tudo o resto, é também Great. Mas de onde advirá esta eterna e incessante necessidade de este povo se auto-declarar grandioso em tudo? Talvez porque a ilha, em si, é de pequenas dimensões, sendo então imperativo ludibriar os demais - apenas duas vezes e meia maior do que Portugal, e já incluindo aqui a Irlanda do Norte. Mas, por esta ordem de ideias e de afirmação duma pseudo-grandeza, Portugal é também grandioso, ainda para mais, depois de ganhar o campeonato europeu de futebol, o Euro 2016. E se esta necessidade de auto-engrandecimento ainda seria vista como algo crível antes da descoberta do novo mundo, depois desse marco na humanidade, já não faz qualquer sentido, pois o grande de outrora, em área pelo menos de um ponto de vista mais objetivo, já não o é agora, num tempo civilizacional em que países como o Brasil, Canadá, México ou E.U.A. "rebentam" com a pequena Grã-Bretanha, em área.

Mas pela linha GWR deslizava a composição, ora suave e com baixa turbulência na cabina permitindo assim desfrutar mais da paisagem, ora célere e já trepidante na carruagem de passageiros. Os bilhetes, aconselho a que os comprem antecipadamente, pois a lei do mercado tudo rege neste cantinho do mundo, não fosse o inventor do axioma da oferta e da procura, também ele britânico, o profeta capitalista Adam Smith, apologista da confiança numa mão invisível que rege a sociedade. Na internet, encontram-se bilhetes baratos, logo nos resultados cimeiros da lista do google, e ora, se os vir, agarre-os e "não deixe para amanhã o que puder fazer hoje", pois na estação de Paddington, os bilhetes serão entre duas a três vezes mais caros, dependendo da hora de saída e da procura pelos bilhetes (lá vem de novo à terra o santo Adam Smith, que se manifesta em todos os aspetos económicos desta pequena grande ilha...). Cardiff, Cardiff, no horizonte. A oeste, e quase em linha reta, de Londres, capital do Reino, ainda, Unido. Reading, Swindon, o entroncamento ferroviário para Bristol, Newport - a primeira cidade galesa que se cruza nesta viagem, e enfim, "Cardiff Central". Um velho amigo aguardava-me à chegada. E ao tempo que não via este jovem. Em adolescentes tivemos um grupo musical de hiphop, e a vida, as relações, as tropelias e trabalhos desta vida, levaram-no para outros quadrantes na Europa... até Cardiff, que parecia ser enfim um destino final para este comparsa. Munido do seu expertise local pude usufruir mais do meu tempo na capital daquele país. A passagem por Newport, cidade mais a Este, já fora de uma beleza inolvidável. Bem cedo, parti do bulício de Londres, eram oito da manhã, duma estação apinhada de profissionais aprumados, a procurarem um lugar vazio no comboio. A maioria ia sair em Reading, lugar de significativo pólo universitário (e onde é que não há boas universidades neste reino, afinal?) assim como também um importante centro de operações da National Grid (ou seja, Reading é uma espécie de Vila Franca de Xira britância, do ponto de vista logístico), e no apeadeiro seguinte encontra-se Swindon, albergue para um cluster de empresas tecnológicas que, mais distantes de Londres, já beneficiam da tranquilidade bucólica que os stressados engenheiros tanto precisam para conseguirem gerir as suas equipas. Depois, e passando por uma estação chamada Bristol, mas na verdade situada a dez quilómetros dela, chega-se a Newport, onde o sol, erguendo-se a a Este, se fazia refletir e dourar pelo rio Usk que se estendia por braços de mar até ao sal do Canal de Bristol no Atlântico Norte.

"Cardiff Central" é a estação a escassos metros dos principais cruzamentos da cidade. De lá caminhei, tendo parado poucos minutos depois numa loja de venda de instrumentos musicais. Era inevitável! Para perscrutar os preços locais, pois a verdade é que a tecnologia musical é mais ubíqua por estes lados do globo. E em Cardiff os preços poderiam tender a ser mais em conta, do que o poço inflacionário da capital do reino. Esta cidade, de dimensões médias, é também ela, nos tempos que correm, dominada no seu cerne por um centro comercial. O centro urbano foi requalificado dando origem a uma nova biblioteca e um manancial de galerias, que embora rodeadas por igrejas renascentistas assim como ladeando o impressionante castelo desta urbe, não deixam de ser um conjunto arquitetónico desenquadrado do todo que é a ambiência medieval e mística de Cardiff. Mas os tempos atuais são pautados pelo predomínio do comércio, capitalismo e conhecimento, que é o que econtramos na rua The Hayes. Acrescerá ainda o dissabor de que estas obras de reconstrução no centro da cidade, levadas a cabo entre 2007 e 2010, foram financiadas pela União Europeia... e agora, fundos aproveitados, brexit! Mas verdade seja dita, muito também deram para a UE, os contribuintes do Reino Unido, pois todos nós participamos nos fundos coletivos, através do IVA/VAT
Ao caminhar no centro, na principal rua de comércio da cidade, a The Hayes, poderá o viajante reparar na estátua de John Batchelor, um empresário e político galês do século XIX, também presidente da câmara de Cardiff por um tempo, e a quem foi atribuído o epíteto de "amigo da liberdade", devido à sua campanha contra a escravatura. Cardiff é uma cidade média, que no seu conjunto do centro e arrabaldes, abriga 350 mil habitantes. Duma ponta à outra, vão cerca de seis quilómetros, e se imaginarmos uma cidade como um círculo, esta não passará de metade, pois situa-se e cresceu em meia-lua, limitada pelo mar. Se tentar estabelecer um paralelo entre esta cidade britânica e uma portuguesa, apenas para que o leitor possa mais facilmente visualizar esta cidade pelo seu tamanho, apontaria para a área urbana de Setúbal, também assente na costa e limitada pelo mar, e o rio

Seguindo caminho das recentes galerias até ao fim da rua The Hayes, a "rua direita" de comércio de Cardiff, avistamos então à esquerda o Castelo de Cardiff, e à direita a Câmara Municipal. A extensa, quadrangular e geometricamente perfeita forma do castelo impressiona e invoca o viajante até ela. Não obstante, o conjunto de edifícios da municipality e da universidade, além de bonitos incluem nele inscrições como "Poetry and Music". Ainda muito no centro, e mesmo ao lado do castelo que serviu de base à cimeira da OTAN/NATO em 2014 (e que não teve nem metade das manifestações que se viram em Lisboa em 2010 - ler o romance "Ativistas"), encontra-se o vasto, plano e apaziguador Bute Park, e que tem de facto motivos para se convidar alguém para lá ir... "bute lá?" :) Como é apanágio nos países anglófonos desenvolvidos, os bancos de jardim são o espaço preferencial para fazer uma dedicatória oficializada a alguém perecido, o que é visível pelas imensas pequenas placas colocadas a meio do encosto do banco, onde muitos locais prestam homenagem a entes queridos. Cerceando os vislumbres que se tem da cidade a partir da estação de comboios, marca também presença o estádio municipal pelos seus elevados, curvos e portentosos arcos metálicos, deste recinto desportivo que há bem pouco tempo, em 2015, recebeu alguns dos jogos do campeonato do mundo de rugby


 




















Pelas ruas da cidade, respira-se a frescura marítima, enquanto se passeia por um misto de história e obras urbanas mais recentes. As placas de trânsito e com direções são bilingues, com espaço também para o galês, língua de matriz celta e praticamente indecifrável para o habitual falante e leitor de inglês. No que refere à gastronomia, o que esperar da culinária nativa britânica? Ainda que a maior gentileza, agradabilidade e singeleza de Cardiff e do País de Gales, possam ser também manifestadas na comida local, optei por, e não resisti, a sentar-me à mesa num restaurante de inspiração portuguesa (sim, e de inspiração apenas, porque a comida já estava algo cafrealizada no ecossistema local), onde me serviram um bife na pedra acompanhado de uma cerveja Super Bock. O Nando's das galerias de restauração Brewery Quarter estava lotado, e como tal, servi-me deste cantinho pseudo-lusitano ali ao lado. De destacar os maus modos do gerente do espaço que ao saber que sou de Lisboa, se fechou na conversa, expressão facial e se enrolou em atrasos dos pedidos para a mesa. Ainda estas infantilidades norte-sul... e talvez ainda mais presentes, fora deste retângulo à beira-mar plantado. No final do passeio, "merenda comida, companhia desfeita", e se não eu aprecio este adágio, desta vez foi mesmo assim, rumando a Londres de volta e num bilhete mais barato, pois a procura pelas três da tarde é menor... Oh Adam Smith que estais no céu.... :) é imperativo lembrar. Bem, e no fim do dia, de regresso à metrópole londrina, pensava para comigo que com Gales ali tão perto, esta Bretanha não é assim tão grande.

João Aguiar
www.osmeusdescobrimentos.com - livro a ser lançado em breve !