quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Gorom Gorom


Senta-te aqui connosco. É o que quer dizer Gorom Gorom, o nome de uma vila às portas do Sahara, no extremo norte do Burkina Faso.
É para lá que convergem todas as quintas-feiras camelos carregados de mercadorias dos vizinhos desertos do Mali e Níger, transformando a vila poeirenta num dos mais coloridos e fervilhantes mercados desta zona do Sahel africano.

Não foi fácil chegar a Gorom Gorom, por estar agora inserida na “zona vermelha” de segurança, devido à proximidade ao território controlado pelos rebeldes do Mali. Depois de muito debater com a polícia de Dori, a última cidade antes de Gorom Gorom, e de explicar que não me aventuraria para além da vila e das suas dunas de areia, e que não me demoraria mais do que uma noite, deram-me permissão para apanhar um dos toscos autocarros que percorrem as estradas cor-de-areia até à vila fronteiriça.

Já a postos para a partida, surgem de nenhum lado duas cabeças loiras. Dois locais precipitam-se para mim, dizendo que devia convencer as duas jovens dinamarquesas a não seguir também para Gorom Gorom, que elas nem uma palavra de francês falam. Voltamos à polícia, para uma nova negociação, desta vez mais dura e prolongada. A insistência concede-nos autorização para avançar mais para dentro do Sahel, eu feito tradutor.

O calor opressor do verão sahariano queima a paisagem à medida que o pequeno autocarro baloiçante e barulhento prossegue pela aridez. Algumas acácias espinhosas insistem em sobreviver e são subitamente interrompidas, quando surge à direita um enorme aglomerado de plásticos azuis e brancos, residências improvisadas para refugiados do Mali. Dizem-me que neste campo devem estar uns milhares.

À beira da estrada um pequeno grupo de tuaregues de rosto oculto pede por gestos para o autocarro parar. Nossos olhos procuram algo de ameaçador nas suas mãos, não fossem os repetidos avisos, mas nada encontram. O autocarro não pára.

Finalmente Gorom Gorom! Feita de habitações baixas cor-de-creme, entre as quais os minaretes de duas mesquitas sobressaem. Homens de rosto tapado por panos e mulheres cobertas de lenços passam pelas ruas de areia, numa tranquilidade só interrompida às quintas-feiras.
Encontramos alguém com camelos que nos leva para dormir às dunas. Chegamos ao pôr-do-sol, as areias douradas espalham-se e são pontuadas de algumas acácias, tamareiras e arbustos espinhosos.

Os camelos entretêm-se a mastigar algum do pouco verde e fazemos um fogo para preparar o jantar. Juntam-se a nós algumas crianças curiosas de uma aldeia perto. O velho chefe da aldeia também se junta, alguém trouxe uma cadeira para ele se sentar. 
Debaixo de um céu carregado de estrelas e ao som do crepitar da fogueira, o velho relata um pouco da vida antes da modernidade.

A paisagem pertencia aos grandes animais, era mais verde e caía mais água do céu. Tinham algum receio de se afastar da aldeia devido aos leões, embora um poderoso marabu local tenha feito um feitiço para que os animais caíssem em encantamento e não atacassem as pessoas.
Entretanto a paisagem secou, o deserto avançou, as grandes árvores desaparecidas, os animais eliminados.
- E porquê?
- Porque se perdeu a moral, se perdeu a solidariedade.

O sol raiou algumas horas depois, amarelando de novo os chãos. Na areia à nossa volta, centenas de pegadas e rastos de pequenos mamíferos, insectos e aves sobraram da madrugada. Era afinal frenética a vida que o tempo e a areia disfarçavam.


domingo, 11 de agosto de 2013

Falsos Reais

Em São Paulo, metrópole brasileira de treze milhões de habitantes, havia um bairro chamado Vila Madalena. Sim, chamava-se mesmo Vila, apesar de ser dentro da cidade, e destacava-se de todos os outros por ser boémio, de noites longas e muita diversão. Não era o único assim. Outros tinham nomes como Vila Mariana, Vila Prudente ou Vila Olímpia. Nas ruas ortogonais e antigas desse bairro, fundado por portugueses no início do século XX, por entre a azáfama dos bares, havia um sitio onde se alojavam viajantes de todo o mundo. Era uma pousada da juventude.

Lá dentro, no bar, todas as noites aconteciam eventos culturais. Desde concertos a sessões de DJs, vernissages ou serões de poesia. Nessas horas de grande bulício, esfolava-se em suor o funcionário Pedro. Jovem paulistano, de aspecto franzino e pele mulata. Todos os dias chegava ao centro da urbe, depois de um trajecto diário de duas horas desde a sua casa na Zona Leste, área infame da cidade, devido ao crime violento, tráfico de droga e pobreza.

Certa noite, actuavam no palco do bar, os Radiola Project, grupo musical de samba rock, que estava então a conquistar a cena musical da cidade. De casa cheia, previa-se que seria uma noite de boa facturação, mas o empregado Pedro, como sempre, trabalhava arduamente pelo seu salário. Numa azáfama completa, circulava constantemente entre a cozinha, o balcão e as mesas. Esta era o seu Triângulo das Bermudas, e para o cruzar tantas vezes tinha que pedir com licença aos clientes, com o prato redondo e metálico de garçon levantado acima das suas cabeças, pelo braço esguio e esticado de Pedro. Chegadas as três da madrugada, Pedro operava na caixa registadora, para atender aos vários clientes que estavam de saída. Dez por cento da conta ia para ele e sabia-lhe sempre bem ver esse dinheiro na sua mão. Esta percentagem para os empregados, logo incluída no preço final da factura era prática comum por todo o Brasil.

Diante dele, ao balcão para pagar a conta, de pé na penumbra do ambiente escuro do bar, vislumbrou dois homens de trinta e poucos anos, cujo boné de pala arqueada, dificultava que se lhes visse o rosto. Deram-lhe uma nota de vinte reais para a mão, equivalente a cerca de sete euros, apenas para pagar um copo de cerveja. Eles recolheram o troco de quantia elevada e foram embora.


Segundos depois, Pedro estranhava o toque da nota, pois parecera-lhe um papel de impressão comum, como o que havia no escritório da pousada, sem uma habitual sensação de aspereza, devida aos pequenos relevos. Retirou a nota da caixa e observou-a à luz de um pequeno candeeiro. A nota era falsa! Pedro saiu disparado pela porta e viu os dois larápios. “Seus Ladrões! Vão pagar por isto!” Gritou-lhes. Já em fuga, a cinquenta metros de distância, um deles vocifera: “Irmão, o desenho que está na nota representa a liberdade. Com ela, fazemos o que quisermos!"

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João

Regresso pelo mar

Não sabia como regressar à Guiné-Bissau. Um amigo levara-me de mota através da selva, cruzando a fronteira, para a Guiné-Conacry, até ao porto de Kamsar, mas não faria a viagem de volta. Sugeriu que falássemos com o chefe do porto, que talvez me conseguisse o laissez-passer necessário para passar a fronteira, e então víamos se haveria algum barco para a Guiné-Bissau.
- “Ele é meu mano, não vai ser um problema”.

Kamsar é um lugar estranho. O porto e o centro da cidade, concessões de uma empresa americana de exploração de bauxite, vivem à sombra dos edifícios fumegantes da companhia que a explora. À volta do caminho de ferro que escoa o minério das montanhas para a costa, de onde segue para os Estados-Unidos, fez-se uma cidade à mão, que vai absorvendo guineenses de outras partes da região em busca de uma oportunidade.

Pelas ruas de pó e de palmeiras, homens de túnicas reúnem-se para começar a rezar, obedecendo ao muezzin. Passamos de mota quando já todos estão prostrados, em vários lugares à beira da estrada, e a cidade parece adormecer voltada para Meca. Chegamos pouco depois ao porto, tomado pela azáfama. O “mano” do meu amigo entrega-me um laissez-passer, conforme previsto. Barcos para a Guiné-Bissau não há, mas sim para perto da fronteira, e depois não há-de ser difícil arranjar uma boleia de mota. De acordo com uns, o barco partiria de madrugada às 4, segundo outros, às 5; outros ainda dizem que não haverá barco.

Tentar não custa. Chego ao porto pelas 4, ainda de noite, para evitar surpresas e vou até ao cais, onde um grande grupo de pessoas já transporta todo o tipo de mercadorias, em todas as direcções. No escuro, chapinham embarcações. 
 - Barco para a fronteira com a Guiné-Bissau? Sim, é por ali - apontam na direcção do mar.
Um estreito vão de pedra segue pelo mar dentro e distinguem-se uns vultos de barcos pouco depois. Sigo nessa direcção, de lanterna na mão e mochila cheia de comida, tentando manter o equilíbrio. O caminho de pedra desaparece subitamente debaixo do mar, permanecendo visível apenas para os pés. Avanço com mais cuidado e lentamente.Tentando que um mês de comida não se afogue já ali.
O barco ganha finalmente forma a partir do escuro, e eu agarro-me a ele com um alívio que não dura muito quando percebo que é ali que passarei as próximas horas.

Muitas pessoas já se amontoam dentro da embarcação, de 10 metros, por cima e ao lado de sacos de arroz, bicicletas, cestos, bagagens. Sem querer acreditar, tento perceber se é a única opção de viagem. É.

Salto com a mochila lá para dentro, onde já não havia lugar, mas onde continuam a chegar pessoas carregadas. Os pés molham-se no fundo do barco, cheio de água. Quantas horas de viagem? Uns dizem 4 horas, outros 6... 














Uma hora depois de mais pessoas e objectos, zarpamos, numa semi-claridade. Um homem ocupa de imediato a função que teria até ao fim da viagem: pega num balde e começa a recolher a água do fundo do barco, para a devolver ao mar. Assim que nos afastamos de Kamsar, uma paisagem imaculada surge com a manhã. Praias desertas de areia branca, rodeadas de florestas e palmeiras fazem-me esquecer momentaneamente a vulnerabilidade da madeira flutuante que me transporta. Só o motor e as conversas entre os passageiros interrompem a mansa manhã tropical. A viagem arrasta-se por muitas horas e o sol começa a queimar. A água de beber acaba-se, o homem do balde cansa-se. As 4 ou 5 horas já passaram há muito, ou não desconfiasse eu que a percepção africana do tempo me pregava mais uma partida.

Entramos finalmente por uma das mil rias de margens de mangal desta zona de África.
As paisagens e conversas distraem do sol quente, que vai no entanto enfraquecendo. Pratico as poucas palavras de soso que conheço, um pouco de francês, e finalmente crioulo, com uma mulher que ia para o mesmo porto. Um pouco de conversa revela que é a tia de um dos meus amigos de Gadamael. Parece que fico assim mais perto.

O sol já caminhou quase tanto como navegámos, e prepara-se para desaparecer. Por fim o barco chega. A viagem durou 13 horas. À nossa frente uma zona aberta por entre um mangal. Saltamos um a um, para a lama, e caminhamos para uma tabanca próxima, numa longa fila de homens, mulheres, crianças e bagagens. A tarefa de arranjar uma boleia de mota para a Guiné-Bissau não foi difícil, está apenas a 10 quilómetros.

Finalmente, Gadamael! E uma muito agradável recepção: “Já estávamos preocupados”.
Estava em casa.


Fernando

Relatos de Espanha

Em viagem,

Primeiros minutos em Espanha...




















...Nada de Diferente!!!


Em Viagem, Dia 1 – 10/06/2013

País Basco – Euskal Herria

Dia 10 de Junho de 2013, foi o início da minha jornada pela Europa e o princípio daquilo que gradualmente quero tornar num projecto de “Viver pelo Mundo”, sentir-me parte do Mundo, fazer parte dele! Chamar Casa a todos os locais por onde passe e construir Pontes pelo Caminho...

Tem um sabor especial a data de início da minha jornada ter coincidido com o Dia de Portugal. Assim, será fácil não me esqueçer quando começei e de onde vim!
















O primeiro dia começou então com uma prova de resistência. A subida ao mítico Monte Basco, Gorbea, 1481m, em Araba perto de Bilbao. Muito bem acompanhado pelo meu primo e pelos colegas dele.

Quem diria que ia ser tão difícil de acompanhar os alunos destes tipos...


José

Editorial

Bem-vindo(a) a bordo.

Somos um grupo de jovens intrépidos e devotos a viajar, com o objectivo de te contar o que vemos lá fora. Este espaço servirá exactamente para isso. Para partilharmos contigo os episódios e momentos mais marcantes e para te retratar as pessoas com as quais nos cruzamos pelo mundo.

Convidamos-te a visitar regularmente este blog, onde com certeza vais sempre encontrar relatos, fotografias e vídeos dos mais variados países, continentes e latitudes do planeta.

Saudações,
João A., Fernando S. e José P.
Portuguese Riders Crew