domingo, 15 de setembro de 2013

Terra Austral

O vôo mais longo da minha vida chegava ao fim. Trinta e seis horas dentro de um avião que provinha da Argentina. E tudo isto para conseguir atravessar o Oceano Pacífico, para ver o sol raiar na Nova Zelândia, e ainda conseguir fazer o último trecho daquela ligaçao aérea, chegar até Sydney. Fez-se bem a viagem. Talvez porque grande parte foi durante a noite. O tempo passava enquanto estava desligado dos sentidos. Entoava-se um sono colectivo na cabine dos passageiros. Antes de levantarmos vôo reparava nas rostoss. Encontrei alguns brasileiros, um ou outro chileno, mas estranhamente muito poucos Argentinos. Mesmo sendo a passagem aérea mais barata da América do Sul para a Austrália, não havia esse hábito, ou essa posibilidade financeira. Sentia-me ali o único europeu ou “ocidental”. As pessoas do Brasil eram-me em especial familiares à vista. Atentei em especial numa senhora loira, bonita, e de semblante delicado. Imaginei desde o início da viagem que ela seria do sul do Brasil. Projetava-a como uma praiante de Floripa, do estado de Santa Catarina, ou então uma gaúcha emigrante naquela terra austral para onde seguíamos. Ela vestia umas calças de ganga, e calçava um par ténis para jogging. Tão típico, que esta conjugação me remeteu dde imediato para o Brasil. E estava certo! Percebi isso quando ouvi a sua voz. Via as caras das pessoas e ficava a imaginar o que fariam no país de destino. Ou apenas se iam para a Austrália ou para a Nova Zelândia. O que fariam no país de origem. Se calhar a moça brasileira, atendia nas mesas de um famoso restaurante de Sydney. Ou ficava a pensar, se por outro lado, ela iria aterrar em Auckland. Havia também a bordo, um brasileiro especialmente comunicativo, frequentemente sentado com os joelhos no assento e de tronco erguido destacado na cabine que falava em alto e bom som para os seus conterrâneos. Tornava público que ia para Auckland aprender Inglês. Eu só pensava para comigo "bolas, deves ter muita guita no Brasil, para fazer quase 10.000 km para aprender a língua mais falada do mundo". 

Uma hora depois a maioria já adormecera. Sobrevoávamos o Pacífico. E de facto fez-se juz ao nome, pois o trajecto decorrreu sem sobressaltos de poços de ar. Talvez por ter poucos ventos e correntes os descobridores tenham dado este nome ao oceano. Ao ver um dos pequenos ecrãs com o trajeto do avião, já na manhã seguinte, a linha em arco vinda de Buenos Aires entrava agora por terra adentro. Espreitei à janela, e avistava pequenas luzes amarelas. Nos poucos minutos que seguiram, assisti ao nascer do sol, o primeiro do planeta, onde a hora está adiantada. O sol começava a banhar aquela terra com um líquido dourado. E de repente levantava-se iluminava-se este país. Montanhas verdes, recortadas de pequenas estradas e casas. Um local onde há mais ovelhas do que pessoas. São conhecidos por "sheep-shaggers". A viagem prosseguiu para o último trecho. De Auckland, até Sydney. Países vizinhos, povoados na mesma época, com climas e tamanho distintos, mas tão próximos ao mesmo tempo. Enquanto a viagem prosseguia pensava nestas diferenças que os afastam. Reflectia nas relações entre os países, e como a história tanto os une, quanto o presente os tenta distanciar. Mas uma coisa era certa, a Nova Zelândia tem mais campeonatos do mundo de Rugby! 

Ainda antes de o avião aterrar, foi-nos entregue um formulário em forma de tira de papel. O governo queria perceber quem é que estava a aterrar no país. Pediam o nome, idade, naturalidade, número do passaporte, destino posterior à estadia na Austrália, enfim, uma série de burocracias, à qual, parece-me que, já não estava habituado, desde que Portugal entrara na União Europeia. Nesse papel, no meio de várias perguntas indiscretas e a desafiar os limites da privacidade, perguntavam-me se transportava comigo mais de mil dólares australianos, em bens ou numerário. Para responder, fui fazendo uma curta conta de cálculo mental: quatrocentos euros da máquina fotográfica, mais setecentos do computador portátil, que me tinha sido entregue no Brasil. E apenas por essa contaa, já ultrapassava a quantia indicada. Quando convertia para dólares dos E.U.A. que por sua vez estavam praticamente equiparados ao dólar australiano, seriam superiores ao valor que indicavam naquele formulário. Guardei a tira de papel comigo para depois a entregar aos guardas alfandegários, no aeroporto de Sydney. Esperei na fila, organizada com aquelas fitas em serpente tão habituais na Expo 98, com cerca de vinte pessoas à minha frente até chegar a minha vez. Tinha já entregue o formulário no início da fila a um agente, que entretanto analisava os registos que cada passageiro tinha feito, e depois quando chegava a ssua vez, lhe pedia explicações. Estava a tentar passar o mais relaxadamente possível, pois achava que não tinha absolutamente nada a que me pudessem apontar, mas mesmo assim nunca se sabe. Um pequeno nervosismo invadia-me sempre, associado ao pensamento "e será que não vai ser comigo que vai correr tudo mal". Pronto, e no meu caso, o guarda alfandegário quis mesmo falar comigo. Pediu-me os documentos, o bilhete de continuação, para que o governo se certificasse de que a minha viagem iria prosseguir para outro lado, e perguntou-me também o seguinte: "Você indica aqui que tem mais do que mil dólares. Pode explicar-me melhor?" "Sim, tenho uma máquina fotográfica que custou cerca de quatrocentos euros, um portátil que custou cerca de setecentos e mais algum dinheiro em numerário. Posso inclusivamente mostrar-lhe estes artigos tecnológicos." Ele retorquiu apenas com a seguinte expressão: "Hmm, ok, pode continuar." Enquanto torcia o nariz, mas via-se sem qualquer contra-argumentação. 

Primeira barreira superada para entrar na Austrália. Estava já fora do aerporto e tinha que chegar até à casa da rapariga que tinha decidido receber-me na cidade. A Sandra, uma miúda polaca de vinte e poucos anos a viver em Sydney. Achava impressionante a sua história. Tão nova, já tão independente e destemida a vingar pelo mundo fora. Ficava contente por ela. Tinha a sua morada anotada num papel e então uma fila de taxistas à minha frente. Carros brancos, Toyotas, com um ar de recém adquiridos, integrantes de uma enorme frota nova, de bom aspecto. Estavam estacionado numa fila em frente à saída do edifício das chegadas. O sol era forte, céu azul brilhante e carregado, numa planície isolada da cidade, rodeada de poucas construções. Fazia lembrar o sonho da Sarah Connor, no Terminator 2, em que chega o dia do apocalipse. Achei que podia dar-me ao luxo de escolher em qual dos táxis iria entrar. Afinal estava ainda treinado da América Latina, assim como de África. Alguns deles toparam a jogada e disseram-me logo para ir para o primeiro táxi de todos. Mas antes disso, e aproveitando que o condutor saíra da viatura para me ajudar a acomodar as malas na bagageira, tentei acordar previamente o preço, antes de entrar no carro. Ele só me dizia "Aqui isso não é necessário senhor." Entrei então e seguimos viagem. Dissera-lhe ser de Portugal, e ele que era da Turquia. Confessava-me "A Austrália é um excelente país. Só tem um problema: É longe de tudo!!!" Eu acrescentaria, e tem problemas de água potável. Ele levava cerca de trinta horas de avião para poder voltar à Turquia. Só lá podia ir uma vez por ano, no Natal, dizia com saudade. 



Chegara ao destino, e sabia já de antemão que a Sandra, não estava em casa. Na sua mensagem de resposta pelo Couchsurfing dissera-me "Vou estar no trabalho à hora que chegas, mas deixo as chaves de casa no café mesmo ao fundo da minha rua. Tens lá um envelope para ti." Já não era recebido assim desde a minha em Dakar, mas desta vez tinha uma vivenda “cottage” impecável de estilo inglês, restaurada e com jardim, à minha espera. Não estava mais ninguém em casa. Apenas eu. Uma boa decoração, a rua era agradével. Aquele cenário de recém-chegado ao país, parecia-me autenticamente um filme, tipo Notting Hill, mas com um clima muito mais solarengo e da europa do sul. Instalei-me em casa, onde havia uma sala central e espaçosa com um sofá colocado bem no meio. Era ali onde iria pernoitar. Despi-me e fui tomar banho, para revigorar da viagem. Estava encantado com aquela casa, a rua, o bairro e a cidade. Depois do banho quente, pude relaxar da viagem mais longa da minha vida. Buenos Aires até Sydney, em trinta e cinco horas de vôo! Ao final do dia, a Sandra chegava a casa. Logo ao falarmos as primeiras palavras, tinha a certeza que tinha ali uma excelente companheira para a estadia na cidade.