Os caminhos para Pyrefouna mudam com a época do ano: a seca,
ou a das chuvas. Do ponto de vista de quem as cruza, a época da poeira ou a da
lama, respectivamente.
Desta vez era a da lama. Percorria de mota a pista de terra
vermelha molhada, com piscinas de água um pouco por todo o lado: havia chovido
há pouco. Os verdes vivos da savana, naquela altura luxuriante, e as cores
quentes da estrada brilhavam contra o cinzento escuro do céu.
Em época seca, a distância de Banfora a Pyrefouna, no sul do
Burkina Faso, pode ser feita em hora e meia. Nos meses molhados, o tempo
duplica-se.
Outras motas e alguns camiões decadentes cruzavam-se de vez
em quando, o peso dos camiões escavando fossas na argila encharcada. Não
parecia, mas esta era a principal via de comunicação entre Banfora e Gaoua,
cidade dos lobis, a última sociedade matriarcal do país.
O céu escureceu, não da noite, mas do dilúvio que ameaçava
tombar lá do alto. Os roncos das nuvens vibravam em tudo, acompanhados de
descargas de luz que tornavam tudo lilás por um instante. As gotas, grossas,
começaram a cair, a frequência aumentando rápido. Doem na testa por causa da
velocidade, cegam momentaneamente quando atingem os olhos. Poucos segundos
chegaram para parecer ter saído do fundo de um lago, de mota e tudo.
A estrada já não lhe merecia o nome, transformada em rios de
correntes súbitas.
Os caminhos para Pyrefouna abandonaram a estrada principal,
a chuva que amainava deixava-os ver melhor. Por fim, apareceu a velha ponte de
madeira sobre o bas-fond, à entrada da pequena aldeia.
Sekou sabia que eu chegaria naquele dia. Ele e Tiemogo
receberam-me à chegada, mais as crianças curiosas que se se iam habituando às
minhas visitas.
- Não te lavas? Aquecemos água para o banho.
Palavras reconfortantes para quem gotejava de frio, e lá
veio o balde com água aquecida.
Fui até ao duche, pequeno cubículo separado do resto da casa
por uma cortina. Buracos na parede e uma pequena abertura para o exterior, para
a água sair. Apontei a luz para ver onde pisar e algo se recolheu logo para
dentro de um dos buracos. Uma cabeça escamosa ficou de fora. A língua bífida
saíndo de sua boca tirou as dúvidas.
- Sekou, está uma cobra no duche!
- Ah sim? Deixa ver...
Espreitou-me por cima do ombro.
- Ah, essas são das que não fazem mal.
E explicou.
- São as cobras sagradas. Mantêm os maus-olhados longe e
protegem-nos de feiticeiros. O meu avô falava com elas, entendiam-se. Elas
aninhavam-se no seu regaço quando ele dormia a sesta, e obedeciam aos seus
comandos. Gostamos de as ter por perto. Ainda ontem estava uma em cima da mesa!
Por entender a minha falta de hábito de partilhar um duche
com serpentes, Sekou pegou num bocado de cartão e colocou-o no buraco, tapando
o acesso ao réptil. O duche estava protegido: de cobras e de maus-olhados.