O
luar iluminava a nossa marcha silenciosa pelo apertado caminho, de argila seca
e de pedras soltas. Sentiam-se os aromas de ervas de montanha, queimadas do fim
do Verão, e tudo o que se ouvia era o gorgolejar do pequeno riacho do vale e um
grilo aqui e acolá. De tempos a tempos parávamos, para distinguir algum outro som,
mas nada, ainda não se ouvia mais nada.
Segundo
Ahmed, as quatro ou cinco aldeias berberes ali perto eram a única presença
humana nos cumes desta zona do Atlas marroquino, acessíveis apenas por caminhos
de cabras. Era uma delas que procurávamos.
Horas
antes, o jovem pastor berbere passara com o seu rebanho pelo lugar onde havíamos
montado as tendas, no sopé de uma das montanhas, perto de uma cascata. Talvez porque
lhe despertámos curiosidade – afinal, éramos estrangeiros – não resistiu a
convidar-nos para o casamento que nessa noite se celebrava num dos povoados.
Ahmed
não tinha a certeza sobre qual das aldeias estava em festa, mas ao fim de umas
horas de caminhada no escuro, escutámos por fim os sons alegres de celebração. Seguimo-los.
Pouco depois, um pequeno conjunto de casas claras com luz de fogo dentro rompeu
a escuridão, ao mesmo tempo que chegava até nós a melodia de um coro de vozes
masculinas e o ritmo de tambores, cada vez mais próximos.
Ao
entrar na aldeia, vimos um círculo de homens apoiados nos ombros uns dos outros
à volta de cinco ou seis mulheres de várias idades. Dançavam e cantavam uma
melopeia repetitiva, de túnica e chapéu muçulmano, alguns de turbante. Mergulháramos
noutra realidade, ou tempo. Era difícil de conceber que ainda houvesse um mundo
de asfalto e postes elétricos lá fora.
Uma
luz fraca mas quente dourava a festa, no espaço comum da aldeia. A agitação dos
homens, que iam girando num círculo coeso e percutindo nos tambores de pele de
camelo, contrastava com as figuras estáticas das mulheres, sentadas no centro,
vestidas de cores claras e de olhar firme. Uma delas tinha uma renda branca a
cobrir-lhe a cara, talvez a noiva.
Nós,
convidados acidentais, éramos alvo de olhares discretos e curiosos, mas o
ritual seguiu como se não estivéssemos ali.
Num
impulso, misturámo-nos. Entrámos para a roda dos homens, os nossos ombros nos
deles, girando e imitando-os nos cantos. O ambiente tornou-se mais sorridente.
Pouco
depois, alguns de fora do círculo conduziram-nos, gentis, para dentro de uma
das casas brancas e simples, iluminada por velas que traziam nas mãos e
mostravam os tapetes de cores vivas, a única mobília. Sentámo-nos em roda e veio
chá e mel das montanhas. Falavam-nos em berbere e respondíamos em francês
simples com duas ou três palavras de árabe. Não nos compreendíamos exatamente,
mas ninguém pareceu importar-se. O ritual continuava lá fora, desta vez
reservado aos participantes originais.
Já
noite densa e decidimos voltar ao acampamento, havia que encontrar o caminho de
volta. Entrámos de novo no escuro, e o coro e os tambores foram ficando para
trás, muito para trás, assim como os nossos anfitriões, o mais recente casal
berbere das montanhas do Atlas marroquino.