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É o que quer dizer Gorom Gorom, o nome de uma vila às portas do
Sahara, no extremo norte do Burkina Faso.
É para lá que
convergem todas as quintas-feiras camelos carregados de mercadorias
dos vizinhos desertos do Mali e Níger, transformando a vila
poeirenta num dos mais coloridos e fervilhantes mercados desta zona
do Sahel africano.
Não foi fácil chegar
a Gorom Gorom, por estar agora inserida na “zona vermelha” de
segurança, devido à proximidade ao território controlado pelos
rebeldes do Mali. Depois de muito debater com a polícia de Dori, a
última cidade antes de Gorom Gorom, e de explicar que não me
aventuraria para além da vila e das suas dunas de areia, e que não
me demoraria mais do que uma noite, deram-me permissão para apanhar
um dos toscos autocarros que percorrem as estradas cor-de-areia até
à vila fronteiriça.
Já a postos para a
partida, surgem de nenhum lado duas cabeças loiras. Dois locais
precipitam-se para mim, dizendo que devia convencer as duas jovens
dinamarquesas a não seguir também para Gorom Gorom, que elas nem
uma palavra de francês falam. Voltamos à polícia, para uma nova
negociação, desta vez mais dura e prolongada. A insistência
concede-nos autorização para avançar mais para dentro do Sahel, eu
feito tradutor.
O calor opressor do
verão sahariano queima a paisagem à medida que o pequeno autocarro
baloiçante e barulhento prossegue pela aridez. Algumas acácias
espinhosas insistem em sobreviver e são subitamente interrompidas,
quando surge à direita um enorme aglomerado de plásticos azuis e
brancos, residências improvisadas para refugiados do Mali. Dizem-me
que neste campo devem estar uns milhares.
À beira da estrada um
pequeno grupo de tuaregues de rosto oculto pede por gestos para o
autocarro parar. Nossos olhos procuram algo de ameaçador nas suas
mãos, não fossem os repetidos avisos, mas nada encontram. O
autocarro não pára.
Finalmente Gorom Gorom! Feita de habitações baixas cor-de-creme, entre as quais os
minaretes de duas mesquitas sobressaem. Homens de rosto tapado por
panos e mulheres cobertas de lenços passam pelas ruas de areia, numa
tranquilidade só interrompida às quintas-feiras.
Encontramos alguém com
camelos que nos leva para dormir às dunas. Chegamos ao pôr-do-sol,
as areias douradas espalham-se e são pontuadas de algumas acácias,
tamareiras e arbustos espinhosos.
Os camelos entretêm-se
a mastigar algum do pouco verde e fazemos um fogo para preparar o
jantar. Juntam-se a nós algumas crianças curiosas de uma aldeia
perto. O velho chefe da aldeia também se junta, alguém trouxe uma
cadeira para ele se sentar.
Debaixo de um céu carregado de estrelas
e ao som do crepitar da fogueira, o velho relata um pouco da vida
antes da modernidade.
A paisagem pertencia
aos grandes animais, era mais verde e caía mais água do céu.
Tinham algum receio de se afastar da aldeia devido aos leões, embora
um poderoso marabu local tenha feito um feitiço para que os
animais caíssem em encantamento e não atacassem as pessoas.
Entretanto a paisagem
secou, o deserto avançou, as grandes árvores desaparecidas, os
animais eliminados.
- E porquê?
- Porque se perdeu a
moral, se perdeu a solidariedade.
O sol raiou algumas
horas depois, amarelando de novo os chãos. Na areia à nossa volta,
centenas de pegadas e rastos de pequenos mamíferos, insectos e aves
sobraram da madrugada. Era afinal frenética a vida que o tempo e a
areia disfarçavam.